Transcrição de matéria postada no Facebook, em 22 de outubro de 2011
(com edição de Eduardo Berger)
“O Flavio, nosso amigo e colega de turma, fez um contato com o Marcelo Novo, filho do saudoso Lorival – pediu a ele que escrevesse algo sobre seu pai – LEIAM, A SEGUIR, QUE LIÇÃO DE VIDA ESSE GAROTO NOS OFERECEU COM SEU RELATO!”:
“Flávio,
Por favor, me desculpe pela demora.
Adoraria me dedicar a essa tarefa antes, mas não foi possível.
Como você deve perceber agora, é óbvio, eu não esqueci. Só precisava de tempo e do momento apropriado para escrever sobre coisas tão densas. Aliás, muito obrigado por me estimular a escrever sobre esse tipo de assunto. Afinal, isso me fez refletir sobre coisas que normalmente tentamos evitar, ou, no mínimo, ignorar.
Bem, então vamos lá:
Meu pai teve uma vida, acredito, completa. Como você mesmo disse, derrotas e vitórias são inerentes. Ele teve, felizmente, muito da primeira e a sua parte da segunda.
A coisa MAIS IMPORTANTE que você precisa saber é que meu pai foi uma pessoa MUITO FELIZ. Ele viveu todas fazes da sua vida (infância, juventude, maturidade e velhice) com intensidade. Ele nunca parou de evoluir, aprender, se emocionar, mudar e de transformar aqueles a sua volta.
Uma das suas principais virtudes era ter uma capacidade singular de se manter aberto para a vida, de não congelar no tempo… Ao longo dos 32 anos em que eu tive o privilégio de conviver com ele, eu conheci “diversos Lorivais”:
a) O obstinado, sonhador, determinado, lutador e vigoroso:
Minhas primeiras memórias são do meu pai lutando pela construção da casa dos sonhos para a nossa família. Explico: quando eu nasci a minha família morava na casa do meu avô, que faleceu logo após. Depois de alguns anos, seus irmãos, meus tios, acharam melhor sairmos de lá, para que a venda do imóvel fosse facilitada. Meus pais resolveram então procurar um lugar onde minha irmã, mais nova, e eu pudéssemos nos desenvolver plenamente. O lugar escolhido: Parque Silvino Pereira, em Cotia. Para realizar esse sonho ele foi pedreiro, mestre de obras e construtor. Nesta época ele me levava junto com ele, para ensinar coisas tão simples quanto acender uma fogueira, andar de bicicleta, sentir o gosto do vento, do mato, etc.
Infelizmente, os planos econômicos do governo daquela época sabotaram seu sonho de construir a nossa casa e continuamos vivendo na “casa de apoio” (R. Meca, 253) que ficava há menos de 400 m do terreno onde meus pais queriam construir a outra. Essa foi a casa da minha vida! Eu adorava viver lá! Em minha opinião, meus pais me deram o melhor lugar onde eu poderia viver. Talvez eu não tivesse sido tão feliz e não me tornasse a pessoa que sou hoje em outro lugar.
b) O comprometido, dedicado, profissional e falho (humano):
Nessa época meu pai passou por uma provação: além de ter passado pela frustração de não construir a “casa dos seus sonhos”, ele passou por uma inflexão profissional que testou seu futuro profissional. Por motivos que eu desconheço, ele teve que se desvincular da USP e procurar outro lugar onde suas competências e perfil fossem bem-vindos. Foi para na PUC-SP. Além disso, a relação com minha mãe, atingiu, por inúmeros motivos, níveis de stress e desgaste limites.
Meu pai trabalhou MUITO nesta época. Foi um período muito difícil para toda família, e para ele principalmente. A tensão, o conflito e o stress dominavam as nossas vidas. Sua ausência era sentida, mas, agora, pelo menos por mim, compreendida.
c) O realizado, mas frustrado. Desapontado, mas seguro. Entendido, mas chocado.
Foi um período de transição, como uma nova adolescência. No fim da última fase, meu pai foi diagnosticado portador do Mal de Parkinson. Ele começou a apresentar os primeiros sintomas cedo. Lembro que eu tinha uns 14 anos quando percebi que seu pé tremia de forma involuntária. Ele me falou a respeito com naturalidade, mas sei que deve ter sido um período extremamente difícil para ele. Afinal, meu pai sempre teve muito contato com seu corpo (imagino que você se lembre o quanto ele era rápido numa pista de atletismo) e a doença afastou dele esse sabor. Simultaneamente, ele se realizou, ao ver seus filhos seguindo adiante na vida. A minha irmã e eu fizemos intercâmbios bem sucedidos nos EUA, retornamos ao Brasil, e entramos na USP. Lamentavelmente, essa felicidade conviveu com a falência da relação com a minha mãe e com a acelerada fragilização física provocada pelo Parkinson.
d) O maduro, compreensivo, vivido, experiente, conciliador e RENOVADO:
Neste momento o Lorival, que você conheceu, foi transformado. Nada mais natural! Foi o resultado da vida: das vitórias e das porradas; das felicidades e das tristezas; da doença e da sabedoria que vem com a idade.
Digo isso, porque acredito que todas as derrotas e realizações se cristalizaram e atingiram o auge na sua personalidade.
Aqui vale um lembrete: Lembra quando há alguns parágrafos eu disse que meu pai “nunca parou de evoluir, aprender, se emocionar, mudar e de transformar aqueles a sua volta”? Essa fase é uma das maiores evidências dessa minha afirmativa.
Foi no mínimo surpreendente para mim, que convivi com um pai tão consistente, perceber ele se abrindo para o novo, se tornando mais flexível, mais sensível e tolerante. Acho que neste período ele se abriu para o mistério e assumiu uma postura mais leve, menos comprometida com o seu passado, com seus amigos e familiares.
Como eu disse em seu funeral, “meu pai deixou um legado imaterial, mas muito real!!” Gosto de acreditar que eu sou um deles. Minha irmã e sua filha Lyla, que vivem hoje na Bélgica, também são, claro. Seu legado também está presente, tenho certeza, em cada um daqueles que tiveram a oportunidade de falar e compartilhar o mesmo ambiente com ele. Que tiveram a oportunidade de absorver sua sabedoria, experiência e amor pela vida. Seu amor por essa experiência humana incrível que é passar por esse mundo (planeta) e deixar sua marca. O que o meu pai mais apreciava era compartilhar com o outro, dividir um momento especial, uma sensação, …, um pensamento! Era isso o que ele mais gostava, o que ele mais valorizava e procurava… SEMPRE!”
Espero ter atendido sua solicitação, mas se precisar de mais informações, por favor, me avise ou me ligue.
PS: Por favor, me desculpe pela sistematização dos conteúdos. Sou administrador de formação e vocação. Portanto, não consegui evitar. É a minha forma de organizar o pensamento, sem deixar de lado as emoções, espero.
Forte abraço, do seu novo amigo, Marcelo Novo.
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NOTAS DO EDITOR:
Lorival de Campos Novo, um amigo, um colega, muito querido e saudoso!
Discreto, temos poucos registros fotográficos dele.
No carro dos bombeiros, de pé, no lugar do “carona”, com nosso grupo de calouros, em 1964, na grandiosa XXX MAC-MED (passeata histórica de abertura)
Com nosso grupo do 5º ano da FMUSP, na memorável Jornada à Europa, em 1968 (bem no centro da foto)
OS VELOCISTAS DA MEDICINA – Revezamento 4 X 100
Carlos Alberto Pereira, o “Geraes” (51ª) e Euripides da Mota Moura (50ª) com os nossos Decio e Lorival
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Foi muito bom defender as cores da nossa escola nas pistas de Atletismo com o amigo Lorival. Depois, com a correria do dia a dia tentando alcançar nossos sonhos, perdemos contato com ele.
Marcelo, muito obrigado por este presente. Muito bem escrito, muita emoção e gratidão. Parabéns
Excelente relato do Marcelo.
Pouco antes do Lorival falecer, o Masamiki nos informou sobre seu grave estado de saúde.
Faleceu algum tempo depois.
Foi ele Marcelo quem deu a notícia. Pedi a ele que falasse alguma coisa da trajetória da vida do pai, uma vez que ele se caracterizava pela suavidade, mansidão e lhaneza.
Passaram-se meses, e eis que ele faz este relato que realmente descreveu o pai com os detalhes da personalidade que conosco viveu.
A elegância do relato é extremamente comovente, mostrando ser um herdeiro legítimo das qualidades do pai!