sábado, setembro 7

Abortamento de um quase transplante hepático por Eduardo Berger

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No final de 1944 nasci Eduardo. Fui Dudu, Edu, Dado e Dadinho… NOSSA AMADA FMUSP me fez Dr Berger.

Foi um longo caminho:

  • nos anos 40/50, observar condoído o avô padecendo de lancinantes episódios de angina do peito (terrível lembrança), numa época em que um primeiro enfarte condenava o infeliz a aguardar o segundo, inevitável e, via de regra… fatal. Conta meu pai que eu, aos 5 anos, teria dito: “Vou ser médico pra curar o Zeide Jacob”.
  • nos anos 50/60, do ensino fundamental ao superior sempre em escolas públicas (sorte dos pais!) – em verdade um aluno regular, daqueles que nunca se destacaram, mas nunca “perderam o ano”. Na verdade, perdi dois: fui obrigado a fazer um ano de admissão ao ginásio por não ter a idade mínima, além do cursinho preparatório para o vestibular a medicina.
  • quanto a esse  último, podemos dizer que ocorreu uma grande “zebra”: eu estava certo que seria médico, que seria aprovado no exame, mas a “primeira opção” era um sonho próximo ao inatingível… aí veio o “pau” na Santa Casa e a aprovação em Sorocaba: já estava bom. Eis que, estando somente aí por volta dos 300/400 melhores do ano, entro na FMUSP em 56º lugar. Foi a maior das glórias!

A qualidade do aluno na academia se manteve como nos tempos iniciais, sofrível: dependências de Histologia/Embriologia no 1º ano, de Anatomia Topográfica no 2º, de Anatomia Patológica no 3º… Em verdade, costumo dizer que fiz o curso em apenas 5 anos, considerando que, anualmente, agosto e setembro eu dedicava ao Show Medicina! A prática de esportes, a política universitária, as delícias do porão (sinuca, sala do sono, Skeleto’s), as menininhas da boa vida mundana, convenhamos, representavam uma sedução por vezes incontrolável (rs).

Foi a partir do 4º ano que ocorreu a grande virada – a tomada de consciência – e eu tomei jeito… O curioso é que isto se deu quando eu me tornei um cidadão ocupadíssimo e auto-suficiente financeiramente: comecei a dar “plantões fora” e era assistente de cirurgias no Hospital Matarazzo, além de assumir a presidência da comissão de formatura, a liderança da Jornada a Europa e ser escolhido diretor do Show Medicina, UFA!! Tornei-me o “monstro” que sou até hoje (rs)! Confesso que me orgulho de tudo que fiz e, mais ainda, do reconhecimento que tenho obtido dos meus pares.

No internato, tenho a certeza, fui extremamente dedicado e eficiente – passei a ser considerado um ótimo aluno (isso é INCRÍVEL!). Quando chegou o momento da residência médica – não me recordo de ter havido prova para tal (?) – só sei que, pelo bom conceito que gozava, foi-me dito (?) que poderia escolher qualquer uma das três clínicas que havia. Optei pela 2ª Clínica Cirúrgica, Serviço do Professor Edmundo Vasconcelos, em vista da proximidade “profissional” que tinha com alguns veteranos que lá já estavam (Ronaldo Moisés (o “FICO”), Olinneu Perali e Cláudio Laurito, da 50ª, e Ricardo Yamin e Sérgios Mies e Natacci, da 51ª).

A pós-graduação em regime de residência médica, para mim, foi espetacular! Em todos os sentidos: “gastei as mãos” de tanto operar, convivi com expoentes da cirurgia nacional, tanto na 2ª, quanto no fantástico PSC, compartilhei aquele período com colegas, PARCEIROS NOTÁVEIS MESMO, aprendendo com todos o quanto era gratificante a nossa profissão, a nossa arte!

Ao termino da RM, o concurso e a aprovação para assistente do HC, o curto espaço de tempo na preceptoria e o extraordinário e honroso convite para migrar para a 1ª CC, no grupo de transplante de fígado do Prof Silvano Raia: estaria aí traçado meu destino, a excelente oportunidade para minha carreira universitária. Só que… eu havia me casado durante o R1, e minha amada primogênita, Débora, nasceu no R2. A grana estava curtíssima, meu pai sem condições de me ajudar. Preparados os papéis para minha contratação, vem a informação que me faltava: DEDICAÇÃO EXCLUSIVA! Sem ao menos um plantãozinho de 24 horas, aos domingos, eu não teria como manter a família… O Raia, com a clássica retórica professoral: “Doutor, o senhor será parte de uma equipe captadora de órgãos, ficará absolutamente a disposição dela durante todo o tempo!” E então eu lhe disse que NÃO poderia aceitar o cargo que ele me oferecia. Foi o mesmo que eu tivesse lhe dado uma bofetada! “Não se fala NÃO a um oferecimento que um REI lhe faz!” Desancou a lenha, me chamou de moleque, de safado, de… Felizmente, o Sergio Mies estava junto (fora ele o artífice de minha ida para aquele grupo) e me conteve. Eu queria esmurrar o mestre! Sai da faculdade chorando, frustrado, abortei o sonho da vida acadêmica – nunca mais voltei, a não ser nas festas.

Guardadas as proporções, pouco tempo depois, obtive a “redenção” desse episódio – era necessário manter-me em atividade de ensino e pesquisa – e criei, com alguns colegas do Hospital Gastroclínica, hoje Edmundo Vasconcelos, o Programa de Residência Médica (contrariando todas as expectativas quanto ao sucesso do projeto, fomos credenciados pelo MEC). Tive muitas alegrias e de 1974 até hoje, formamos centenas de colegas que, espalhados nos confins de nossa pátria-continente, divulgam nosso trabalho e orgulham nossa Instituição.

Aí construi toda minha vida profissional desde o final de nosso R1 (em dezembro deste ano, 49 anos passados desde meu primeiro plantão!).

Sempre trabalhei muito e, atualmente, desacelerando, ainda me mantenho em atividade (enquanto D’us me permitir), porém assessorado pelos excelentes colegas que ajudei a formar – eles estão operando melhor do que eu (digo com humidade, com a certeza de que deve-se ter auto crítica e bom senso).

7 comments

  1. Roberto Anania de Paula 4 agosto, 2019 at 21:05 Responder

    Gostei “Parceiro” Berger. Um fígado a menos e milhares de pessoas atendidas com competência, amor e dedicação, quer por suas mãos, quer pelos seus ex-alunos, muitos deles oriundos da Faculdade de Medicina de Jundiaí e que pude observar no exercício profissional.

  2. Anita Leme da Rocha 5 agosto, 2019 at 08:16 Responder

    Eduardo, você escreveu uma biografia objetiva, curta e brejeira; está simpática; discreta e humilde; você é muito mais que estas linhas; ouço os relatos dos seus pacientes; seguimos a sua vida, os seus feitos; mais importante do que sua realização médica bem sucedida é sua compleição humana, sua personalidade; é o fato de você dividir conosco a sua vida, o fato de você saber dedicar-se aos outros, educar, arrebanhar, proteger, suportar e aceitar tantas diferenças e impertinências.
    O que é mais forte e intenso em você é a LIDERANÇA; em qualquer carreira que você seguisse, você seria um LÍDER.
    Sorte nossa ter sido a FMUSP, 52ª Turma o seu destino.

    • Eduardo Berger 5 agosto, 2019 at 08:23 Responder

      Mais uma vez, querida amiga Anita, fica patente a sua generosidade. Sua opinião me sensibiliza e emociona. Sem palavras…

  3. Reinaldo Borgiani 5 agosto, 2019 at 18:42 Responder

    Berger, você expressou de uma maneira humana sua experiência de vida e que foi sentida por muitos de nós. Sua superação e o sentimento de uma realização foi maior pois foi feita com suas mãos. Estaremos juntos graças a pessoas como você.
    Parabéns

  4. FLAVIO SOARES DE CAMARGO 11 agosto, 2019 at 14:40 Responder

    Cruzei tb o caminho do dr Silvano Raia, eu era residente R2 e ele chegou de Londres, montou o grupo do fígado e ocupou metade da 1a Cc e nos residentes ficamos praticamente sem operar.
    Fui nomeado pelo meu grupo para fazer uma queixa ao prof Arrigo Raia que era o titular na época.

    • FLAVIO SOARES DE CAMARGO 11 agosto, 2019 at 14:47 Responder

      Continuando… Ele convidou-me para jantar em sua casa para eu expor o problema dos residentes, atitude muito elegante, mas que resultou em nada, apenas um jantar delicioso.

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