OS HERÓIS DO CANAL DE SÃO SEBASTIÃO por Flávio Soares de Camargo

“Ponta das Canas” com seu farol – Ilha de São Sebastião
Aqui vamos nós… para mais uma aventura no mar!
Temos um colega da 53ª da FMUSP, o George Eliani Silva, que mora em São José dos Campos, meu amigo de longa data. Como nós todos, ‘estrada bem rodada’, atualmente viúvo, infartado, com o coração ‘stentado’ e perda de 30% da musculatura cardiaca – cliente de um de nós… Para estar ainda vivo, dá para saber quem é o colega responsável por ele.
Como é bastante debilitado fisicamente ele sai geralmente acompanhado, e sou um dos mais constantes parceiros dele. Levo-o sempre para a praia, pois na beira mar ele passa bem, consegue fazer alguma caminhada; e saimos sempre de barco, o que confere a ele um sentimento de liberdade e aventura. Sei muito bem o risco geral, mas fui claro que se algo ocorrer em alto mar, o comandante do barco faz o relato para a marinha e, além disto, posso fazer o atestado de obito. Meio fúnebre, mas isto o tranquiliza.
Saimos no mês passado, a bordo de minha Carbrasmar 29.5 Searay, para fazer um pernoite no Saco do Sombrio, do lado de alto mar da Ilhabela. Mar de almirante, sol a pino, barco navegando devagar para apreciar a paisagem e o balanço suave do mar. Previsao de tempo ótima, fornecido pelo site Windguru e não havia relato de perigo. Previsão de chegada no local, às 16h00, que é o que se recomenda para navegação. Levo sempre uma boa refeição na geladeira, uma boa musica e um bom livro. Tempo de navegação prevista na velocidade programada, 3 horas.
Como tudo no mar é 99% rotina, mas sempre tem o 1% de terror máximo, seria este 1% o nosso prêmio!
Saimos pelo canal de Ilhabela/São Sebastião, pelo meio dele, entre continente e a Ilha, já perto da ponta norte , também chamada Ponta das Canas, pois ali havia um engenho de açúcar/aguardante nos 1.800. A sede ainda está lá, bem conservada – é um marco arquitetônico do passado pujante da Ilha; um vento quente, meio estranho, começou a soprar e o mar encrespar. Nada que pudesse me preocupar; o George, ao meu lado, sempre que senta dorme imediatamente, tem uma dispneia aos menores esforços.
Dia lindo, eis que de repente, sinto a presença de uma coisa gigantesca ao meu lado a toda
velocidade, era o veleiro ATREVIDA, um vintage americano de 1930, que foi por duas vezes fita azul da regata São Fracisco-Havai, um gigante de 14 velas totalmente reformado. Acordei o George e pedi que tirasse fotos, filmasse, enfim documentasse o acontecimento. Ficamos ali ao lado, nos divertindo, sem preceber que o vento pegava mais corpo a cada instante. Nesta brincadeira, perdemos noção do tempo e, também. que o vento estava cada vez mais forte…
Depois da sessão de fotos, pensei bem e achei melhor, com o mar subindo a cada minuto, não enfrentar o mar aberto e voltamos bem devagar para atracar no centro da Ilhabela, no Saco da Capela. O mar estava agora picado e cheio de carneirinhos (espumando pelo vento). Mas não encapelado, o que seria uma
coisa mais intensa. Foi neste momento, voltando pelo meio do canal, que percebi ao longe um casal numa prancha de stand up, acenando. Bem, com aquela ventania, achei que eles estavam pedindo uma carona. Fui até lá e, para meu espanto, a jovem começou a gritar e apontar para longe, dizendo que a amiga dela estava se afogando ali por perto naquela direção. Eu olhei em volta e só vi a espuma do mar tocada pelo vento …
Pensei comigo: ‘se está n’água, já foi para o fundo’. Pus o casal para dentro, puxei a prancha para bordo e pedi que a jovem me apontasse onde seria a provável localização da amiga. Ninguém com colete salvavidas. Pedi que o George decesse para a cabine e ficasse lá enquanto o salvamento evoluisse. Nada aconteceu, olhei para ele, estava ofegante, branco, e segurando no banco com as duas mãos. O parceiro da jovem estava completamente abobalhado sem ação alguma, mas a parceira um verdadeiro azougue! Pedi que ela fosse para a proa para localizar a amiga, no meu entender uma tentativa totalmente inutil. Desesperada pela situação ela pulou no banco em cima do George, pisou nele e saiu pelo vidro da frente do cockpit, mas nada apenas a espuma do mar…

Vista da plataforma da popa e do motor auxiliar, onde o drama se desenrolou
A ventania assobiava e fui navegando na direção que ela me apontava. Foi neste instante que vi um côco boiando nas ondas – era a unica coisa diferente visivel; fui para lá e não é que, quando nos aproximamos, o côco virou e apareceu um rosto encoberto pelos cabelos: era a amiga, devia ser uma nadadora excepcional para estar ainda na superficie das ondas! Cheguei ao lado, ela agarrou a borda do barco – e agora? Como trazê-la para dentro? O rapaz estava totalmente em choque, o George, pensei que estivesse nos ultimos suspiros e a nadadora teria que entrar pela plataforma de popa. Porém o barco tem a helice por baixo e enorme, pois motor é de traineira, e não de lancha, e seu eu me aproximasse de ré ela seria sugada pelo empuxo do hélice. Somente eu e a jovem embarcada estávamos em condições de fazer algo, eu no comando e ela no salvamento. Ela teve a ideia de subir no motor auxiliar que tenho na plataforma de popa e estava levantado, e na hora que ela conseguisse segurar a amiga pelos cabelos, eu desengataria, ela traria a náufraga para a plataforma e ai, nós dois, a puxaríamos para bordo. Dito e feito conseguimos deixá-la deitada, completament esgotada, mas respirando bem!
Feito o salvamento, voltamos devagar para a praia da Armação, onde a mãe da náufraga estava aflita e já havia telefonado para os bombeiros que nunca chegaram. As duas jovens, eram estudantes de medicina, no 5º ano, da UNISA, e nunca soubemos o nome delas e nem elas o nosso. Elas sairam de stand-up com o tempo maravilhoso que estava no começo da manhã e, quando começou a ventania, a amiga caiu n’água e o lash da prancha partiu-se e foi embora – ela ficou a deriva, no meio da ventania. Foi por pouco, muito pouco.. Quando souberam que seus salvadores eram veteranos da FMUSP, ficaram de boca aberta, como se tivesse visto dois fantasmas, o que não deixava de ser uma parcial verdade – dois velhinhos metidos a salvadores, um deles bem combalido e o outro mais ou menos, salvando três jovens e saudáveis! Assim é a vida a salvação vem de onde o CHEFE resolve mandá-la
Curiosamente eu fiz a chamada de “SECURITÉ SALVAMENTO” pelo radio do barco, ninguém respondeu, muito menos o “PAN PAN PAN” emergência para a marinha de salvamento, e NADA! Penso que o ANJO DA GUARDA da jovem nos colocou no caminho certo – rezei uma AVE MARIA silenciosamente!
Voltando para o vilarejo da ilha foi quando o George mostrou as fotografias do salvamento. Como não conseguia se mexer ele pegou o celular e fotografou tudo.


Trazendo o casal a bordo e recolhendo a prancha

A afogada, segurando na borda do barco
Chegando à praia da Armação. A afogada está deitada na plataforma. A de costas é a salvadora. O inútil é o de pé!

Na prancha, voltando para casa, recuperada – na praia, uma mãe agradecida, que até há pouco a esperava aterrorizada
Nós, os heróis do canal de São Sebastião, vimos passar a lancha do Corpo de Bombeiros 2 horas após o ocorrido!
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                        DOCE PAVOR, DOMINGOS LALAINA JUNIOR29 de agosto de 2018
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                        ESTA ESCADARIA!!! Roberto Anania de Paula22 de julho de 2018
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                        APOSENTADORIA… sem “deprê” por Eduardo Berger26 de março de 2023
 
                			
                                        			





