Passo a maior da infância em Itápolis.
Tenra e terna Itápolis.
Brincamos na rua e, se não estamos em casa, nossas mães sabem que estamos na casa de alguém. Lembro do Salto da Onça, pequena queda no Rio da Onça, no meio de um pequeno mato. Para nós, o Niagara.
E dos banhos de enxurrada, vermelha, dentro dos bueiros, mais felizes que porquinhos na lama. E das fugas dos chinelos.
Enquanto São Paulo tem dois milhões de almas, Itápolis tem duas mil.
Todos conhecem todos. Lá nos meus oito anos, chego a mandar uma carta a um primo. Sem saber o necessário, eu a endereço desta forma:
Belmiro Rondelli Jr.
Dona Bibi.
Itápolis.
Papai permite, sabendo que lá, a correspondência pode chegar assim mesmo.
Meu primo a recebe.
Lembro dos homens agachados, na esquina.
– “Mas, então, o boi tá bão?”
– “Tá, gordo.”
– “Quantos boi cê tem?”
– “Tantos…”
– “E quanto tá pedindo?”
– “Tanto…”
Pausa, para a conta de cabeça.
– “É meu.”
– “Pó mandá buscá.”
O negócio está feito. Os boiadeiros buscam o gado e alguns dias depois, o pagamento é feito, em dinheiro.
Sem papel nem assinatura.
Os números das linhas telefônicas têm dois dígitos, alguns têm três. Não há DDD, ligação automática à distância. O serviço utiliza operadoras, que chamamos “telefonistas”, exclusivamente mulheres, como ocorre com certas profissões, secretárias, enfermeiras, professoras do ensino primário, e outras.
São Paulo conta com serviço automático. Mas, as ligações interurbanas são solicitadas à telefonista e feitas por conexões de cidade em cidade. A depender do congestionamento a chamada para Itápolis pode levar doze horas. Ao se atender, no destino, ouve-se a telefonista anunciando a chamada. A seguir “passa” a linha.
Mamãe, na chamada anterior, entre os assuntos todos, comenta com tia Bibi o fato de Papai ter estado adoentado.
Passado o mês, naquele dia, à hora do jantar, uma nova ligação. A telefonista anuncia:
– “Chamada para Itápolis, completa.”
Mamãe ouve o contato das duas telefonistas e, a seguir, Dona Cleonice, de Itápolis.
– “Dona Santinha, sua chamada para Dona Bibi, certo?”
Minha mãe confirma. Antes de passar a linha, a pergunta:
– “E Seu Domingos, melhorou?”
Que saudade…
9 comments
Leave a reply Cancelar resposta
-
O PULMÃO DE AÇO, por Joel Faintuch
20 de maio de 2023 -
O INCANSÁVEL MANTELMACHER, por Eduardo Berger
18 de agosto de 2018 -
SOPA DE OSSO, por Pedro Takanori Sakane
30 de agosto de 2018
Protegido: A TRAJETORIA DE PIO PEREIRA DOS SANTOS, por ele mesmo
5 de dezembro de 2024GRATIDÃO NIPÔNICA X NEGÓCIO BOM… MAS SUSPEITO por Flavio Soares de Camargo
7 de agosto de 2024
Delícia de leitura, La Laina – e certamente de lembranças. Um forte abraço.
Obrigado pelo comentário – encaminharei para o Domingos
Ah, Lalaina, os banhos de enxurrada, que delícia! Valiam as chineladas…
Me lembrei desta postagem, li de novo, e as lágrimas desceram de tanta saudade!
Lalá , isso me lembra São Roque , bem mais perto de São Paulo , mas com características semelhantes de comportamentos . Estou devendo ao Xará Berger duas histórias da minha terra . Mandá-las-ei logo .
Lalá, na Bela Vista, aqui em São Paulo, era quase assim. Que saudade meu amigo.
Campos do Jordão, anos 50, era assim também. Telefone, só através das telefonistas. Nos não tínhamos telefone. Íamos até o sanatório onde meu pai trabalhava para ligar ou atender.
Conhecíamos todos os donos dos poucos carros que existiam lá e, também, não sabia que ruas tinham nome: Era rua do fulano ou da loja X.
Itápolis também é a terra dos gêmeos José Luiz Monteiro e Carlos Paschoal Monteiro, formados em Botucatu, que fizeram Internato e Residência com a nossa turma.
Boas estórias de tempos felizes que deixaram boas lembranças