O turismo existe há mais de 2.000 anos, pelo menos de algumas modalidades. Arqueólogos encontraram nas rochas das pirâmides do Egito, rabiscos (graffiti) de soldados romanos que circularam pelo país, do tipo “Caius Augustus esteve aqui”, ou “lembranças de Severus Maximus”. Peregrinações religiosas a Jerusalém eram praticadas pelos hebreus, há perto de 3.000 anos.
Turismo de massa, do tipo compatível com nossa excursão em 1968, é um pouco mais recente. Apareceu nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial, graças ao crescimento econômico dos países ocidentais, o que possibilitou às classes menos aristocráticas, cruzar fronteiras para desfrutar de outras paisagens. Nobres em vilegiatura já existiam por muitos séculos, inclusive nosso imperador D. Pedro II que, embora competente e honesto, segundo críticas do século XIX, mais excursionava que reinava.
O avanço moderno coincidiu com o extraordinário progresso da aviação, que pela primeira vez na história, possibilitou cruzar oceanos e continentes, rapidamente e a preços compatíveis (pelo menos com a renda de nações industrializadas).
Ou seja, nossa excursão de certa forma ocorreu no momento certo, quando as viagens internacionais encontravam-se em franca ascensão. Alguns da nossa turma testemunharam enxames de mochileiros dormindo no piso de estações ferroviárias, para economizar hospedagem e fazer a viagem render mais. Aeroportos, estradas, balsas e museus razoavelmente lotados tampouco foram incomuns. Ainda assim, a popularização e massificação ainda não haviam atingido picos intoleráveis.
Como sabido, hoje quem deseja visitar a Torre Eiffel ou o Museu do Louvre, não só no verão como o ano inteiro, necessita adquirir bilhetes especiais com boa antecedência pela internet, ou se sujeitar a filas intermináveis. Até a ilha de Capri estuda limitar o acesso de turistas, mediante cobrança de taxa, como já faz Veneza e nossa Fernando de Noronha. Muitas outras localidades cogitam idêntica política, até mesmo a comparativamente pacata Amsterdam. Isto pode ser conferido na internet, que aliás foi a fonte de quase todas informações aqui compiladas.
Certas estradas, e não apenas nas redondezas de Nova York, Roma e Paris, tornaram-se virtualmente intransitáveis em muitas épocas do ano. A Via Amalfitana, nas imediações de Napoli passando pelas turísticas Positano e Amalfi, era desimpedida e acolhedora em 1968. Hoje é descrita como infame.
Os pisos e escadarias de mármore da Acrópole de Atenas, que não estava em nosso roteiro, desgastaram-se mais nos últimos anos, que nos 2.500 anteriores. Os visitantes que se contavam em dezenas ou centenas, hoje alcançam milhões.
Todos convencidos de que embarcar pela Swissair no quinto ano era a coisa a fazer, “the right thing to do”? Só não podemos nos olvidar da condição de tupiniquins, pelo menos de parte da classe. As tarifas da Martinelli para os distintos pacotes podem ser averiguadas no portal do Berger, onde o prospecto original foi minuciosamente digitalizado.
Cogitei atualizá-las em numerário nacional. Contudo a profusão de moedas, e índices de inflação praticados em meio século, ameaçou derreter os últimos dois neurônios do cérebro. E supostamente os de indivíduos mais especializados também, porque os portais econômicos da internet informam valores divergentes. Recorri a uma página lusitana multimoeda (fxtop.com/ pt), que assinala a inflação diretamente no valor da viagem em dólares, menos tortuosa.
O fator de multiplicação encontrado foi de aproximadamente 7,4. Tal converte o custo dolarizado da excursão, aparentemente camarada em valores da época, numa exorbitância mais de sete vezes superior, algo completamente fora de cogitação, pelo menos para mim.
Um detalhe adicional. Consta que quando o governo militar se iniciou, o PIB nacional era o 64º do mundo, havendo terminado, em 1985, como 8º. Não se deve atribuir qualquer inferência ou conotação política à observação. Estou apenas repassando o que foi publicado em diversas fontes. Tal significa que a renda e o poder de compra do brasileiro médio, nos idos de 1968, em paralelo com sua classe social, eram catastroficamente inferiores aos de hoje. Em conseqüência, aqueles dólares pesavam mais ainda .
Longe de mim a intenção de despejar confete na cabeça do Eduardo Berger, e demais colegas da Comissão. Contudo, sem os inúmeros e criativos artifícios e iniciativas arrecadatórios, ao lado obviamente de um ano de trabalho insano por parte dos inscritos, e mais ainda dos organizadores, bye bye Europe, au revoir Paris.
Não gostaria de inserir uma nota patética. Nós idosos já somos por natureza fragilizados, e não deveríamos passar por verdades cruéis e dolorosas. O fato é que gloriosa como foi, a jornada pertence ao período jurássico, e tal como os dinossauros jamais retornará. Mudaram os lugares ou o extinto sou eu? Tudo evidentemente. Mesmo que alguém reunisse condições técnicas, psicológicas e financeiras, para alugar automóvel e replicar o roteiro (a Swissair jaz no sono dos justos, a Renault logo será fagocitada pela Fiat, possivelmente diversos hotéis foram para as calendas), os prazeres e as emoções não seriam os de priscas eras.
Ressalvados os atletas do passaporte, os peripatéticos “globetrotters” da turma, meu humilde palpite é “carpe diem”. Aproveitem o que o ensejo ainda nos possibilita desfrutar: chá (sem açúcar, e sem edulcorantes tampouco, pois destroem o microbioma intestinal), bolachas água e sal (de preferência sem sal, e também sem bolachas – mais vale uma folha de alface), pantufas, e uma cadeira de balanço na varanda. Para se aquecer ao sol, e apreciar o movimento na rua.
O grande filósofo da comunicação foi Marshall McLuhan (1911- 1980). Ainda que venerado em sua “alma mater”, a Universidade de Toronto, sua memória já sofre de intensa desconstrução por parte de críticos. Não muito distinto do que sucede com outros expoentes do passado, como Sigmund Freud (1856- 1939) e suas teorias, por exemplo. Dentre os conceitos mais visionários do canadense, que faleceu antes da explosão da informática e dos celulares, incluem-se os de “global village” (aldeia global), e sobretudo “the medium is the message” (o meio é a mensagem). Pois parodiando o luminar, “a recordação é a viagem”. Melhor vivenciar as lembranças no suave ritmo da cadeira de balanço, que nas turbulências de vôos de milhares de quilômetros, ou nas filas para apresentar passaporte, que dão a impressão de se estender por outros milhares de quilômetros.
Se houverem por bem repudiar as sábias e judiciosas ponderações, e ainda sentirem ímpetos de me esganar, consoante a justificativa de atroz e impertinente conselho , pelo menos já estarão informados da minha localização: num cantinho iluminado da varanda, de olhos postos nas valiosas fotos da excursão.
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O AUTOR ENVIOU ESSA MATÉRIA COM O RECADO ABAIXO;
“Caro Berger
Um conhecido meu, quando escreve artigo, diz que é fecalito científico.
Bem, lá vai um sobre a viagem. Só insira no site se julgar conveniente.
Caso contrário, descarte junto com todos fecalitos.
Cordialmente,
Joel Faintuch”
AH!! A PROVERBIAL MODÉSTIA DESSE NOSSO BRILHANTE COLEGA DA 52ª E GRANDE AMIGO….
SEM DEMÉRITO AOS DEMAIS, ESSE TEXTO, LONGE DO QUALIFICATIVO SUGERIDO, MERECE LUGAR DE DESTAQUE EM NOSSAS MEMÓRIAS!
Por oportuno, clique aqui e releia por favor > https://fmusp-turma52.com.br/2018/03/10/comissao-de-formatura-a-arrecadacao-por-eduardo-berger/
QUANTAS SAUDADES! QUE FALTA ME FAZ, HENRIQUE MANTELMACHER, o verdadeiro artífice da Jornada à Europa!
“O ‘fecalito’ do Joel é uma pedra rara.
Quiçá eu pudesse ter seu dom.
Parabéns.
Forte abraço.
Se isto é um “fecalito” o que seria os meus posts? Parabéns Joel.
Os tempos vêm mudando paulatinamente, e sob certo aspecto para pior. Aquela viagem ficará para sempre no coração daqueles que dela participaram. Foi magnífica!
Hoje seria impossível fazê-la e senti-la como foi. Hoje nem ao Rio de Janeiro eu me atrevo ir. Na Europa há também violência e atentados. Certo, mas ainda temos as reuniões da Turma.
Não percamos esperanças para o dia de amanhã.
Que gratificante ler as palavras do nosso querido Macedo!
Um exemplo para todos, especialmente quando esse nosso admirável nonagenário, além de fazer louvações à nossa épica jornada à Europa, nos convida para que “não percamos esperanças para o dia de amanhã…
Adorei a dissertação do nosso tempo vivido no périplo das oportunidades que aproveitamos .
O momento atual na cadeira de balanço para resguardar o joelho bichado , ter que usar uma lente de aumento para poder escrever neste minúsculo letreiro reflete bem a homogeneidade que vivemos agora . Parabéns Joel em conseguir uma descrição tão abrangente
de nossa época!