terça-feira, dezembro 3

“O SONHO” (1965) – O trote aplicado na 53ª turma, Eduardo Berger

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O ano era 1965 e a palavra computador estava entrando no vocabulário da gente, pobres mortais, jovens universitários, segundanistas dos meados do século XX…

O vestibular para o curso médico era unificado – Faculdade de Ciências Médicas de Campinas (mais tarde, UNICAMP) e Faculdade de Medicina da USP (é nóis!) – e era organizado pelo CESCEM, sigla que não sei exatamente o significado. Num tem purtança, vamuquivamu!

Pois é: no ano anterior, quando entramos, a correção do exame vestibular foi por “leitura óptica” – a gente tinha que usar um lápis preto para preencher o quadradinho da alternativa correta na folha de resposta! Um avanço tecnológico!

Já em `65, quem iria corrigir as provas era o tal de “COMPUTADOR”, que alguns ainda chamavam de “cérebro eletrônico”!!

Foi a “deixa” pro trote!

O início daquele primeiro dia de curso da 53a turma foi, em tudo, igual ao relatado no trote que nos aplicaram – a chegada ao mural dos calouros, a aula inaugural de Anatomia, com o Professor Odorico Machado de Souza falando do “respeito ao cadáver”; depois almoçar no Bar do Abel, aí a aula de Bioquímica e, em seguida a cessão de espaço para o CAOC e a AAAOC.

Aí começou o “circo”: os representantes do CAOC/AAAOC são interrompidos, bruscamente, com a entrada de um “veterano”, Jaime Cesar Correia Lima, da 51a, um “artista”, seguido de um bando de companheiros, eu inclusive. Ele, “irritadíssimo”, “apoplético”, vem com um papel agitando em sua mão e brada: “Chegou-me ao conhecimento que 4 dos novos calouros aqui presentes são intrusos! Não podem ser considerados alunos da Casa de Arnaldo! Houve uma falha no computador e serão permutados por 4 colegas que foram destinados a Campinas, estes sim, aprovados na FMUSP, nossos verdadeiros colegas”!

O alarido seguinte foi avassalador: “Fora com os intrusos! Nunca poderão ser colegas nossos, que venham os realmente aprovados”! E por aí afora… Estabeleceu-se o pânico: a calourada alvoroçada, trêmula, desesperada: “Quem são os 4, pelo amor de Deus”. Resposta óbvia (rsrs): “Isto ainda não sabemos, não foi divulgada a lista pelo Cescem, temos que aguardar”…

Aí, o anfiteatro foi lotando de veteranos! E eles “se dividem e começam a discutir” – uns acham que uma vez que as matrículas já se realizaram, os 4 são nossos colegas e temos que defende-los; outros tem opinião diametralmente oposta e acham que foram fruto de uma correção errada das provas e têm que ser transferidos para Campinas. Estabelecem-se discussões acaloradas, quase cenas de pugilato, e os calouros cada vez mais apavorados.

“Instalou-se” uma Assembleia do CAOC para julgar o impasse – oradores a favor, oradores contra, manifestações desesperadas de calouros…

Então, entrou um veterano, com avental branco e todo enfaixado, braço na tipóia, equimoses no rosto (maquiagem…): era o “técnico do computador do CESCEM”, que fora agredido por pais de alunos que ficaram sabendo do erro de “sua máquina”… Ele foi ao quadro negro (naquele tempo era o que havia!) e com um giz (!) desenhou os “circuitos”, os “geradores”, “os condensadores” que “compunham o computador”; explicou “como ele funciona” – um “imbróglio , coisas ininteligíveis, e a calourada prestando atenção e “boiando”. Era o Domingos Auricchio Petti, então R1, brilhante ginecologista e mastologista “do futuro”!

Em seguida, com a sua farda do CPOR (!!) entrou o “Coronel do Exército Nacional”, Presidente do CESCEM (hehehe) para tentar se explicar – era o Márcio Passini Gonçalves de Souza, então R2 de Ortopedia! Foi um alvoroço: época da ditadura, os militares mal vistos pela classe estudantil, as vaias encobriram suas explicações e a calourada cada ve mais excitada e apavorada. “Pelo amor de deus” – bradavam – ” quem são os 4″?

Tudo isto levou algumas horas… Exaustivas! Um calor próprio daquele e de tantos fevereiros…

Já exauridos, extenuados, todos, até nós, os carrascos, somos surpreendidos: levantou-se aos brados o calouro símbolo desse grande evento: o “SONHO”! Este passou a ser o apelido do Vicente de Oliveira Filho, que veio a ser o dono do cursinho MED. Ele exclamou com veemência, num tom que lembrava um pouco, com todo o respeito, talvez pela excitação do momento, o estilista, já falecido, Clodovil Hernandez (rs): “O MAIOR SOOOONHO DA MINHA VIDA ERA ENTRAR NESSA FACULDADE E, AGORA, NÃO É UMA POOORCARIIAAA DE UMA MÁQUINA QUE VAI ME TIRAR DAQUI!! A gargalhada foi geral, de perder o fôlego! Só quem estava lá pode avaliar o impacto desse pronunciamento!

Aí resolvemos terminar com o sofrimento: chegou um “envelope contendo o documento com o nome dos 4”!! E o Jaime Cesar proclama: -“O nome dos 4 aqui está! Vamos revelar… – vai fazendo suspense, tem dificuldade em abrir o envelope… – e, finalmente, brada:: -“São os seguintes: BURRO NÚMERO 1, BURRO NÚMERO 2, BURRO NÚMERO 3 e BURRO NÚMERO 4!” Gargalhada geral dos veteranos!!! E enquanto a turma de veteranos ria e chamava os calouros de burros, eles ainda perguntavam, quase aos prantos: “Mas quem são esses 4”?!

E, aí, acabou a “Assembléia” e nos revelamos como “farsantes”; os calouros ficaram alguns segundos incrédulos… num misto de perplexidade e dúvidas, seguidas de grande satisfação e admiração pelos que tão sutilmente os envolveram em tal “pegadinha”!

E o “trote” se encerrava: todos para o Bar do Abel, juntos, ombreados, os calouros um pouco envergonhados e os veteranos tentando consola-los… e, é claro, uma “forte cervejada” fechava o “evento” patrocinada pelos calouros (era parte do trote!).

Vicente de Oliveira Fº, “O SONHO” (53ª turma)

1 comment

  1. Decio R. K. Oliveira 24 março, 2018 at 16:11 Responder

    Berger, só você mesmo pra me fazer chorar e lembrar da farsa que fizemos com os nossos calouros, no ano seguinte, onde foi revelado o famoso calouro “Sonho”!

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