segunda-feira, outubro 7

Uma aventura entre o internato e as Cataratas do Iguaçu, por Flávio Soares de Camargo

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A Rusie Carneiro Leão tinha uma característica única: tinha uma habilidade inata de despertar um profundo interesse pela clinica médica em
seus alunos, o que provocava sensacionais visitas clinicas nas enfermarias, verdadeiras disputas entre os alunos para mostrar
conhecimentos. Acirrava o envolvimento com a matéria e formava grupos coesos entre nós, internos.
 Meu grupo, Ruy Marco Antônio, Luis Carlos Bueno Ferreira, que não era da FMUSP mas fez internato conosco, ambos cavalheiros de bela  figura, e eu! No final do ciclo, último dia, um feriado, o Ruy convidou-nos para uma viagem! Para onde, como? Ambos, “duros” como todos os demais internos, com poucas exceções, uma delas o nosso amigo Ruy… -“Meu pai é o advogado do grupo Quatro Rodas, em Foz do Iguaçu; consegui uma semana de hospedagem”na faixa”, no Hotel das Cataratas dentro do Parque”! Pulamos de alegria e agarramos a oportunidade com as duas mãos, na verdade a quatro mãos.No dia da viagem, o pai dele emprestou o próprio carro, um SIMCA ESPLANADA, ZERO KM, verde água, um desbunde para a época. Da viagem me lembro pouco, mas a chegada ao Parque das Cataratas, que na época era gigante e virgem, com apenas uma estrada no meio, foi espetacular! Foz do Iguaçu ainda não existia como cidade propriamente dita – um aglomerado de casas em volta de ruas de terra. A chegada ao hotel, uma espetacular estrutura de frente para as cataratas, de cor rosa avermelhada, foi de tirar o fôlego, novinho. Lobby sensacional, chiquérrimo, o Ruy já estava adaptado ao circuito nobre, mas nós dois, ambos de zona rural, estávamos babando…
O recepcionista nos recebeu gentilmente, carta de apresentação entregue, e fomos acompanhados a nossas aposentos por funcionário devidamente uniformizado. Fomos andando, andando, andando, acabou-se o Hotel, saímos pela porta dos fundos, continuamos andando, passando pela rouparia, lavanderia, garagem… e fomos parar nas instalações dos funcionários do hotel. Era ali que ficaríamos instalados!! A vista era para a lavanderia e fundos do hotel – naquela época dávamos risada de trombada e foi muito divertido. Mas estávamos no Parque das Cataratas, “boca livre”, e podíamos frequentar as instalações do hotel.
Para visitar as cataratas, é como hoje penso eu, uma canoa de bom porte motorizada cheia de turistas estrangeiros e nós. Por razões que não cabem aqui, aprendi a falar inglês junto com o português e foi fácil o entrosamento com os turistas, principalmente duas velhinhas trapalhonas neozelandesas (acho que tinham a idade que temos hoje). Elas estavam agitadíssimas com o passeio, pois conheciam o mundo de outras viagens, e estavam maravilhadas com o que estavam vendo aqui no Brasil. De cara, na entrada do barco, uma delas tropeçou e desabou em cima do banco e, quando eu a levantei, constrangida apontou para a dentadura que tinha ido parar no chão por baixo do banco! Além da dentadura, no final, acabei por pegar seus pacotes espalhados… enfim, virei o cuidador das duas, pessoas cultas, viajadas, bem humoradas e divertidas. Queriam saber tudo do Brasil, papo solto e interessante.
No meio do passeio, juntou-se a nós uma jovem senhora. Ela sabia muita coisa do parque, muito mais do que o guia, profunda conhecedora de plantas e animais, uma verdadeira biblioteca ambulante. Parecia, comparativamente, uma visita de enfermaria com o Miguel Srougi, que sabia muito mais que todo mundo, incluindo assistentes e professores, embora um ano abaixo de nós. Uma aula magistral, no final aplaudida pelo grupo.
Despachando minhas protegidas no ônibus de excursão, me viro e dou de frente com a sabichona jovem senhora. Uns trinta anos? Se apresentou como Sally, agrônoma e zeladora do Parque das Cataratas e, com a maior naturalidade, me convidou para jantar em sua casa no próprio parque!! -“Que tal as 20:00 horas”? Fez um desenho do caminho até a casa dela e me colocou na mão!! Nada como ser clara nas intenções, nós homens agradecemos !! UAU!! Ai eu percebi que a atitude de um homem cuidador é tremendamente sedutora para uma mulher!! Ruy e Luis Carlos observaram de longe a cena, entramos no carro e os dois com aqueles sorrisos conhecidos.
Banho tomado, passeio pelo parque do Hotel colhendo umas flores, o Ruy, gentilmente, esticou a mão e colou a chave do carro nas minhas, e lá fui eu para a batalha! Expectativa a mil, SIGO O CAMINHO DO TESOURO, faço uma curva e chego num agradável chalé, numa clareira toda ajardinada, casa de uma agrônoma. Desço com o coração na boca, porta se abrindo e… sou recebido por um jovem barbudo com duas crianças loirinhas! -“Você deve ser o Flávio” – disse o simpático senhor – e eu, como não sabia o que fazer com as flores, entreguei-as a ele!
-“Meu nome é Mark e a Sally está na cozinha preparando nosso jantar” – fiquei sem pé e sem entender…
Jantar delicioso, conversa agradável e, depois, o Mark foi ao piano e tocou um bom tempo enquanto conversávamos. Eram irlandeses, ambos agrônomos, e estavam há algum tempo com a zeladoria do parque. Final da noite, enquanto ele colocava as crianças na cama ela me acompanhou até o carro, Dando uma risadinha de troça, disse que me devia uma explicação para o convite. O trabalho que tinham no parque era muito interessante, mas careciam de um papo com alguém que falasse inglês e que tivesse uma visão mais ampla do Brasil. Quando me viu, conversando e cuidando das velhinhas, achou-se bastante segura para fazer o convite com a esperança que eu aceitasse, e que ambos agradeciam muito minha presença. Estava com uma das minhas flores nas mãos, acho que era um hibisco, deu um beijo nela e me entregou.
Entrei no carro e fui embora.
-“Cacilda” – pensei eu – “e agora, com que cara vou chegar no Hotel”? Meus amigos, como já disse, eram cavalheiros, me deram boa noite e fomos dormir …

4 comments

  1. ruy marco antonio 7 agosto, 2019 at 12:29 Responder

    Flavio, que boas lembrancas de tempos em que tudo era leve e motivo de risos! Fiquei admirado pela sua memoria de detalhes que eu nem lembrava. Saudades, amigo, Abrs

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