sexta-feira, julho 26

O “Fellow” e a operação do prefeito da cidade de Cunha, Roberto Anania de Paula

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Mamed e eu terminamos o rodízio de cirurgia no PSC como R1 e iniciamos como R2. Foram 4 meses de atividades contínuas no Pronto Socorro, o que nos permitiu uma vivência e uma aproximação fraternal entre a dupla e o nosso querido “Fellow”.

Nessa ocasião eram comuns pedidos de favores do então governador Laudo Natel ao Chefe do Pronto Socorro, mesmo porque o HC pertencia à Casa Civil do governo estadual. A secretária Dona Deyse era a intermediária destas solicitações.

Por vezes ouvíamos do Dr. Waldomiro : “Felow: o Governador fez um pedido. Alguém quer beber da água” e assim seguíamos o estágio e as solicitações.

Por outro lado, todos residentes de cirurgia praticavam o famoso “globe”, ou seja mandavam pacientes eletivos para serem operados de urgência. Esta prática era de comum acordo com os chefes de plantão e na ausência de cirurgia de urgência, no momento. Mesmo assistentes da enfermaria mandavam pacientes do consultório, prontos para serem operados no PS, quando não dispunham de numerários suficientes para suportar o custo hospitalar e cirúrgico de hospitais privados. Dr. Massahiro da 3ª cirurgia enviava muitos compatriotas nesta situação; o que agradava muito os residentes e aumentava as “papadas”.

Uma vez, assumindo o trabalho matinal, encontrei um senhor magrinho, com um Rx de EED e exames pré-operatórios.
“O que é que o Sr. veio fazer”? Perguntei:
“Vim para operar o estômago”.
Ao examinar o Rx, “noossa!!” Úlcera gástrica, paciente magro. Caso ideal para uma gastrectomia tipo Billroth I.
Imediatamente apresentei o caso ao Dr. Margarido, recém admitido como assistente e “pimba” em 15 minutos paciente preparado, sondado, tricotomizado e anestesiado na sala cirúrgica do PS. Às 9:45 horas, já devidamente acordado na enfermaria e com sonda gástrica com mínimo sangramento : mais uma gastrectomia para o papômetro.

Às 10:00 horas, o Fellow devidamente posicionado no “T” do PS, cigarro no canto da boca, questionava Dona Deise: “E daí, o Prefeito de Cunha já chegou?”. “Madre de Dios”, logo perguntei à Dona Deise o nome do prefeito, e era o paciente que acabáramos de operar. Não era infrequente levarmos o Dr. Waldomiro à enfermaria para alguma dúvida cirúrgica, ou mesmo mostrar alguma proeza nossa. E não tivemos receio de mostrar o gastrectomizado, bem na enfermaria e que era o Prefeito de Cunha.

Mestre Fellow, tinha seus repentes, mas também sabia acusar os “golpes”. Logo saiu no corredor e em voz alta chamou a secretária: “Dona Deise, Dona Deise, informa ao Governador que o Prefeito de Cunha já foi operado e passa muito bem”.

Felizmente o paciente recebeu alta domiciliar precoce e em ótimas condições pós-operatórias.

Esta é mais uma das histórias do Pronto Socorro do Hospital da Clínicas, lugar “sagrado” pelos alunos e residentes como fonte de aprendizado e saber naquela época. E tudo isto devido à figura folclórica do eminente Professor Associado da 2ª Clínica Cirúrgica, discípulo do Professor Edmundo Vasconcelos, estudioso da anatomia cardíaca e MAIS UM HOMENAGEADO DA 52ª TURMA!

O “FELLOW”, MUITO QUERIDO POR TODOS, EMPRESTA ATUALMENTE O NOME AO HOSPITAL ESTADUAL DE ITAQUERA.

FALECEU APÓS LONGO PADECIMENTO EM 27/02/1982.

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