Prof. Waldomiro de Paula, o Fellow, quanta coisa aprendemos com ele!
Que sutileza de espírito… e a máscara aparente de “durão”.
Ele foi como o “figo-da-Índia”: casca espinhosa, escondendo o interior, a doce carne da fruta…
Um dia (1970), residente de cirurgia, participei do atendimento a um suicida – dera um tiro no próprio “precórdio”! E os colegas da cirurgia sabem o que é isto no PSC – prioridade absoluta: “… cessa tudo o que a antiga musa canta”…
Pois bem, a parafernália armada, o paciente cercado de cuidados, já sendo levado à sala de operação, o Fellow chega junto ao grupo, piteira nos lábios, cigarro fumegando, vai ao pé do ouvido do paciente e pergunta: -“O senhor é destro ou canhoto?” Surpresa de todos… O que tem a ver? Pra que essa ridícula pergunta? O infeliz respondeu que era destro e o Fellow disse, com sua calma proverbial: -“Fellow, pode ir com calma, sem pressa: não pegou nada importante”!… Fomos em frente, achando um pouco de graça nas coisas dele.
Não deu outra: toracotomia realizada, pequeno hemotórax por ferimento transfixante periférico do pulmão esquerdo!
Aí, o Fellow nos explicou com a maior simplicidade: – “Para se matar com tiro no peito, só se for canhoto ou, se destro for, puxar o gatilho com o polegar – assim:” … (e fez um gesto de empunhadura de arma ao contrário (!), que pode parecer complicado, mas que tornou-se super simples com a didática de quem nasceu para transmitir conhecimentos!)
Grande Fellow!
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Extraído de artigo da Revista Paulista de Medicina (julho/agosto-1980)
Waldomiro de Paula: nome do maior valor e dos mais altos méritos a quem a Faculdade de Medicina, reconhecendo-lhe os trabalhos científicos e a formação e organização dos serviços de Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, conferiu a medalha “Arnaldo Vieira de Carvalho”. Por idênticos motivos a Associação Médica Brasileira, por proposta do Presidente Pedro Kassab, conferiu-lhe a medalha “Flores Soares”.
Rígido caráter de organizador e de chefe é, na verdade, o continuador e o criador de uma escola cirúrgica que começou com seu antigo mestre, Prof. Edmundo de Vasconcelos.
Criador do Pronto Socorro entre nós nos altos padrões de eficiência e de organização científico-profissional.
Muitos anos de intenso labor que vem encontrar no seu Serviço de Socorro de Urgência do Hospital das Clínicas, diariamente, infatigável, quase obsessivo. Sacrificou a sua posição na Clínica particular para, modesto e de recursos limitados, dedicar-se em tempo integral à tarefa a que se impôs.
Atingido por moléstia crônica de decurso longo, submete-se dia sim, dia não à diálise para livrar-se da insuficiência renal crônica. Sacrifício imenso, que o deixa extenuado. Volta ele à direção do Pronto Socorro, onde toma as refeições sem se afastar de seu trabalho diuturno.
Tal é o trabalho de um herói da moderna Medicina, carinhosamente chamado Fellow.
Da mesma fonte (Revista Paulista de Medicina – julho/agosto-1980):
“Ao receber as honrarias citadas, na Congregação da FMUSP, o Professor Waldomiro de Paula foi saudado pelo Prof. Edmundo Vasconcelos com o seguinte poema:
POEMA PARA UM HERÓI OBSCURO
O estrépito do progresso silencia no transpecto da Catedral da Medicina.
Ouvem-se as vozes silenciosas das legiões enfermas.
Alunos dobram as folhas dos livros.
O som azul dos ruídos álacres exaltam o sacerdócio sem parar
Punhais de pedra nos ventos da vida, afiados nos cunhais dos espaços vazios.
Longos túneis de lua que a vontade caminhou entre lágrimas e renúncias.
Pedras roladas nas encostas dos caminhos da dor.
Vontade estrelada na direção polar; réquiem humano impossível.
Mar de lágrimas afogado em sangue, na dor, no desespero, no consolo, na esperança, na fusão do nada.
Só o mal existe, a estrela cadente do bem risca o céu dos homens no escuro da luz.
E as horas subterrâneas fecundas da vida na carne mineral arrancada da terra, tenacidade a velar na inconsciência dos muros atentos, dos ventos gelados, na angústia humana do homem eterno.
Ressurgem os Eus avatares e o surdo rumor que o silêncio ilumina, médico símbolo da urgência
Despedrando pedras escuras onde a vida se esconde,
Duras folhas de ouro e de aço soltam as franças.
Olho sem pálpebras a velar insones o sono mortiço das lâmpadas.
Cristalizações prismáticas de um sonho na água-mãe que lhe serve de útero, o repouso sem angústias, antecessor do nada na inconsciência da vida.
Condensação das forças moleculares genitivas da eterna presença.
Alma forte de tenacidade sem par, por anos a fio suportando a baixa-mar do sangue, para a preamar da vida que ressurge nas altas marés.
Ressurreição ao influxo do impensável; vela solta a embalar o alento que se gasta.
Mãos inumeráveis se levantam, que sofreram e te gloriam.
Entregam-te a Faculdade de Medicina e a Associação Médica Brasileira a consagração do bronze; metal bruto que hás de lapidar no carinho de teu coração para que os teus perpetuem a imagem da alma coletiva.
Trabalhaste tanto na morfologia do silêncio, trazendo o coração para a luz transparente, mostrando os caminhos que o vivificam.
Quinhentas vezes passaste por esses silêncios.
Mergulhaste nos mistérios dos pulmões; falando a linguagem dos doutos, mas também dos obstinados, para entregar os mais belos labores que esta Escola se gloria, irradiando os dois nomes, o teu e o dela, que és dela parte e corpo, para serem ouvidos no mundo dos que sabem falar a língua da ciência.
Frios caminhos do saber; roteiro nas angústias entre as mãos e os ferros dos que os sabem manejar, nessa sublime e santa cirurgia. Bruxoleios da saúde nas brumas embaçadas, temores de mãos que se fazem sombras, claridade de sábios, onde também devem tanto a tão poucos.
Vastidões humanas nos tumultos da vida; poucos saberão o teu nome e o que te devem.
Os grandes não tem curriculum… fundem-se num monobloco.
Ânfora do sacrifício que se transubstancia nas dimensões do tempo.
Reta tangencial do bem
Assíntota sublimação humana
Beijo na face do infinito.
Médicos em ti vêem os próprios rostos; espelho e imagem;
Faces de um destino na essência fugitiva do tempo.
Sonhos que se fizeram estradas, estradas que se fizeram marcos, metas que se fizeram destinos.
Abrem-se em par as portas da memória avara;
E o teu eco são os teus silêncios.
EDMUNDO VASCONCELOS OCUPOU A CADEIRA NÚMERO 10 DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS DE 1965 ATÉ SUA MORTE (1991)
Ah! o Fellow! Se tinha uma coisa que lhe apetecia eram as representantes do sexo oposto! Acho que não devemos entrar em detalhes para preservar sua memória…
Um dia ele falava sobre relações marido-esposa, comentando que sua mulher reclamava, comparando-o ao Professor Oscar Simonsen (outro gentleman e cirurgião brilhante): -“O Oscar – dizia ela – acompanha a esposa todos os domingos na missa, você não é como ele, você não quer nem saber…”
E o Fellow, desbocado, nos dizia: -“O Simonsen é um FDP! Vai à missa, levando o crucifixo numa mão e o ca..te na outra”!! A gente chorava de rir com ele!
Acreditem, tive dois casos idênticos ao longo de minha vida profissional: um eu operei e o outro ajudei meu irmãozinho Marco Lobo.
Fiz a ambos a mesma indagação do Fellow ao suicida dessa história, e obtive. dos dois, a mesma resposta – DESTRO! Um tinha ferimento de pouca importância, periférico do pulmão, e o outro, tinha, também, ferimento transfixante de fundo gástrico e diafragma. Nenhum tinha ferimento do miocárdio!
Grande Fellow!
Eduardo Berger