A PROPÓSITO DA NEUROFISIOLOGIA E DO JUAREZ ARANHA RICARDO
Meu comentário não é sobre o Juarez. Soube que após a graduação iniciou brilhante carreira no Instituto de Ciências Biomédicas. Entretanto meus caminhos nunca me conduziram para aquelas proximidades. No entanto possuo uma vinheta sobre o professor César Timo Iaria, que todos conheceram na Neurofisiologia. E com quem o Juarez deve ter convivido diuturnamente.
O César sofria de esclerose lateral amiotrófica, a doença do recém-falecido físico inglês Stephen Hawking. Era da incomum modalidade familiar, vários casos havendo se manifestado nos seus ascendentes. Ele sabia que uma vez iniciadas as fasciculações musculares, em menos de 5 anos tal evoluiria para paralisia progressiva, incluindo musculatura da respiração e determinando a morte. Por sorte tal ocorreu tardiamente, de modo que alcançou os 80 anos quando expirou em 2005, sempre com grande inteligência e produtividade. Ele é reconhecido como pai da neurociência brasileira, e é inclusive nome de Centro Acadêmico.
Soube de tudo isto na Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital das Clinicas, onde ambos atuamos no início dos anos 2000. O contato era limitado às atividades da Comissão, nunca havendo desfrutado de maiores amizades. Foi com grande surpresa portanto, que um dia ele me chamou para um cafezinho. Fez um breve apanhado da sua enfermidade, e contou-me sobre sua família. O nome Iaria era russo, mais exatamente judeu-russo. Cerca de 150 anos antes, este Iaria emigrou da terra dos czares para a Itália, e lá constituiu família. Que tornou-se católica, de modo que César nasceu num lar devotamente cristão. Ao contrário de todos parentes próximos contudo, ele era agnóstico. Inclusive já havia tomado providências para ser enterrado como tal, sem qualquer injunção religiosa. De fato já se encontrava sintomático na ocasião, embora teimasse em comparecer diariamente à instituição de táxi e com cadeira de rodas, impossibilitado que estava de caminhar ou dirigir automóvel. E expirou não muito tempo depois.
Nunca tive chance de perguntar porque me revelou este segredo pessoal, ao qual ao que consta, ninguém mais teve acesso. Éramos meramente colegas de Comissão, sem mais ligações. Será que a despeito do professado agnosticismo, escolheu-me porque como judeu praticante, esperava que o convencesse de um funeral israelita? Era este seu último desejo?
Se ele como eminente neurocientista, não conseguiu declinar suas angústias com maior clareza, como desvendaria eu este mistério, posto que não passo de reles introdutor de sondas e cateteres para suporte nutricional?
O estimado Prof. Cesar Timo-Iaria e seus pupilos
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Com sua proverbial modéstia, nosso admirável colega Joel Faintuch, cujo currículo e postura ética honram sobremaneira a 52a, relata uma pitoresca passagem de seu rápido, porem significativo, contato com o não menos brilhante Professor Cesar Timo-Iaria.
Certamente o Juarez, vivo estivesse, poderia acrescentar mais detalhes da vida do Prof Cesar (estamos em contato com sua viúva, Dra Maria Adelaide Albergária Pereira, colega da 57a turma, que nos auxiliará nesse mister).
E Berger
Lembro da primeira aula que assisti sobre terapia nutricional, ainda durante a faculdade e Dr Joel foi quem a ministrou,.
Desde então o considero meu mentor.
Lembro de muitas coisas a respeito do professor César Timo Iaria. Relato duas. Em uma aula de fisiologia o professor César junto com os alunos fez uma demonstração experimental para mostrar que o reflexo que os gatos têm de sempre cairem em pé é de integração central. Para tanto mostrou isto em um gato normal que em seguida foi decapitado e o reflexo deixou de existir.
Mais importante ainda, tive a grande satisfação de encontrar com frequência o professor César pela manhã aguardando o elevador na FMUSP para levá-lo ao terceiro andar onde era o seu laboratório. Eu sempre aprendi muito com estes encontros. Um dia ele me surpreendeu dizendo, “Joel, você sabia que o nosso organismo produz monóxido de carbono. Eu respondi que não sabia. Ele me explicou que isto havia sido publicado na revista Science (salvo engano) e que o CO era produto do metabolismo de hemeproteinas entre as quais a hemoglobina”. Resultando, esta informação subsidiou duas teses de alunas minhas e as respectivas publicações. Conto mais em outro momento. Professor César exemplo de pessoa.
Um grande professor. Seguro, refinado, tranquilo, humilde, competentíssimo.
Doces lembranças essas nossas; quanto aprendemos com professores assim.
É indescritível o que sentimos ao nos lembrarmos de termos sido seus alunos .