Naqueles velhos tempos, inicio dos anos `70, a censura à criação artística foi rígida, severa, por força dos “AI-5 da vida”… Em contrapartida, aquela do politicamente correto era praticamente inexistente. Asim, Pelé era o “Negrão”, piadas de judeus e portugueses rolavam soltas e, quando nos referíamos ao Manoel Maria, dizíamos “aquela bichona do PSC”…
E quem era ele? Um profissional exemplar, funcionário do qual o HC podia se orgulhar, um auxiliar de enfermagem da melhor qualidade! Todos os cirurgiões da turma, certamente, vão lembrar dele e de seu desempenho naquela, por vezes caótica, sala de admissão do PSC. Realmente, era um “tocador de serviço”, saia-se bem sempre, mesmo quando o movimento estava intenso, e ele precisava auxiliar vários atendimentos simultâneos. Sua homossexualidade era assumida, num tempo em que essa “orientação sexual” era considerada uma anormalidade e tinha até um CID que a caracterizava!
O Mané era um gozador, tinha um humor ferino! Certa vez, estávamos num grupo de internos e residentes, passando visita na 4030 (PSC), com o Dario Birolini, pouco antes da meia noite. A voz calma e pausada do jovem professor se misturava apenas com o ruído ritmado dos birds… no mais, silêncio absoluto, todos muito atentos aos excelentes ensinamentos. Eis que, entra o herói dessa postagem aos brados: -“E aí? Não tem ninguém pra atender na admissão, tá uma zona!” O Dario ficou louco: -“Saia!! Não admito…” – não acabou a frase… o Manoel colocou as duas mãos na cintura, fez um muxoxo e, com voz melosa, saiu com essa: -“Nossa! Ontem a noite, lá em casa, você não falou assim comigo”! – deu uma rebolada e saiu. Foi impossível evitar a gargalhada geral!
Mas todos gostavam do Mané Maria, pelas suas qualidades técnicas, se bem que fugiam dele quando se tratava de qualquer relacionamento de amizade e/ou companheirismo. E assim foi quando ele desenvolveu “aquela úlcera duodenal”: queria ser operado, e todos fugiam dele… Lembro que se comentava: -“Quem assumir o caso do Mané vai sofrer pra se livrar dele”!
Aí por volta de 1972, o então jovem assistente do PSC Sérgio Natacci (51ª turma), foi para “o sacrifício”, procedeu à gastrectomia BII que o Mané necessitava – e foi um duodeno difícil, uma úlcera baixa, terebrante no pâncreas… vieram complicações e o Mané Maria faleceu no mesmo PSC que foi sua vida, depois de um curto período de pós operatório. A alimentação parenteral ainda engatinhava (Universidade da Pensilvânia-1968, por Stanley Dudrick) e no HC ainda não havia se iniciado. Certamente, alguns anos a frente, ele teria chances plenas de sobrevivência, com o desenvolvimento do método no Brasil.
Epílogo: Nosso querido Joel Faintuch viria a ser conhecido como “o pai da alimentação parenteral na América do Sul”, tendo publicado, em 1976, um dos primeiros livros do mundo sobre a matéria. Faintuch é membro fundador da pioneira Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral.
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Deiscência de coto duodenal era o pavor dos cirurgiões e residentes. Nesta ocasião, da evolução fatal do lendário “Mané Maria”, muitas vezes usávamos irrigação contínua com ácido láctico, com algum sucesso. Depois a NPP resolveu muitos casos.. Hoje a úlcera péptica não é uma doença cirúrgica rotineiramente e sim infecciosa.
Mas logo depois da residência, já morando em Jundiaí, toca o telefone na hora do almoço. – “Dr. Anania, pelo amor de Deus, o Sr. me operou do estômago faz 5 dias. Recebi alta e chegando em casa começou a vazar um líquido verde do corte. Estou apavorado”. Um frio, “gelado” percorreu minha barriga e logo uma sudorese principiou quando lhe disse para ir ao PS do hospital e que me aguardasse. Fez então um silêncio, ouvi uma bela gargalhada e alguém me disse.- “Esquenta não Bob Nana”, bota mais água no feijão que estou chegando aí para um rega-bofe”. Era o querido amigo Cury que estava fazendo um curso de pilotagem no aeroclube de Jundiaí. Já em casa demos boas risadas. Um beijo Bob Cury.
Caro Eduardo Berger, caros colegas,
Agradecimentos Berger pela lembrança do meu nome e meu livro.
Na tragicômica história do auxiliar de enfermagem do PSC.
Foi muito gentil de sua parte.
Aceito a paternidade da nutrição parenteral.
Ou melhor, a “padrastidade”, posto que o pai é Stanley Dudrick, como você bem assinalou.
Ainda vivo e palestrando aos 83 anos, embora de forma restrita, devido a problemas cardiovasculares.
Padrasto talvez seja uma designação oportuna.
Auferi alegrias, porém não muito mais que isto.
Nem fama, nem fortuna, nem sequer reconhecimento.
Quem buscar no Google, primeira nutrição parenteral no Brasil, encontrará diversos nomes.
Naturalmente não o meu.
Menciono apenas a título de curiosidade.
Não tenho interesse em aparecer no Google, ou onde quer que seja.
Sou feliz e realizado.
Até possuo colegas que me brindam com lembranças agradáveis.
Cordialmente,
Joel Faintuch