A INDEFECTÍVEL, AINDA QUE EMPÍRICA, “ESCALA DE MAMED”, Eduardo Berger
PODE HAVER ALGUMA FALHA DE MEMÓRIA OU, TALVEZ, ALGUMA “CRIAÇÃO”, FRUTO DOS MEUS DEVANEIOS…
Há coisas inexplicáveis que se eternizam, apesar de que no seu nascedouro são revestidas de absoluta singeleza e nenhuma pretensão de tornarem-se famosas…
Foi assim que nasceu a “Escala (ou índice) de Mamed”! Seu criador era portador de inteligência superior, era um dos primeiros alunos da classe, membro da gloriosa 52a turma: entrou em 64 e “acabou em 69”! Seu nome completo MAMED HUSSEIN, gordo, boa praça, sempre risonho, de quem nunca se ouviu falar mal!
Uma vez formado tornou-se um dos mais brilhantes residentes da cirurgia do HC, em companhia de mais 20 colegas, entre os quais eu, orgulhosamente, me incluía. Foi aí que, num dia, mais precisamente numa madrugada, estávamos de plantão no PSC no ano em que o Brasil ficou definitivamente com a “Cup Jules Rimet” – 1970.
Comentávamos sobre um rapaz que lá estava, na 4030, “de boa família”, proprietário de um automóvel (!), que havia se acidentado numa das ruas dessa nossa “pauliceia desvairada”. Inconsciente, sedado, dele saiam – ou entravam, como queiram – alguns pares de tubos; instalados alguns aparelhos, que hoje seriam considerados rudimentares, mas que era o que se apresentava na ocasião (a sala 4030 marcou época: era aparelhada com o que de mais sofisticado havia, era a “menina dos olhos” daquele amado PS!).
Foi aí que o Mamed, despretensiosamente, certamente sem imaginar que passaria para a história, comentou: “Imagine você, um de nós sair para uma balada e, de repente, ‘tudo apagar’… aí, tempos depois, a gente acorda, abre um olho, dá uma espiada em volta e percebe! “PQP ESTOU INTERNADO NA 4030 – Não consigo falar, acho que estou entubado!!!” A partir daí, começou a conjecturar, não exatamente sobre uma “escala de risco”, mas sim, sobre uma “escala de pavor”: ele ia imaginando e contando os tubos… quanto maior o número, mais ferrado eu estaria… sonda gástrica, sonda vesical, cateter venoso (naquele tempo era muito mais pra veia dissecada do que para intracath!), um dreno abdominal… e foi fazendo a conta… “vamos dar 5 pontos para cada um”… e alguém perguntou: “e tubo traqueal”? “Ah esse vale 10”! E em seguida: “E se tiver respirador ligado? “Mais 15″ – bradou Mamed”!
Falamos: Mamed, você acabou de criar uma escala de risco para os pacientes! Ele retrucou: “quem tiver até 20 pontos tem bom prognóstico (por exemplo, SNG + Foley + intracath + 1 dreno abdominal); agora com 30 a 45 pontos (acrescentando-se um tubo traqueal, ligado a um respirador), já terá prognóstico reservado; e se tiver um interno ao lado da cama medindo o fluxo urinário, a PVC, etc, a cada 10 minutos? Mais 20 pontos!! Agora, se puxarem um biombo para que os pacientes vizinhos não sejam testemunhas oculares? Mais 30 pontos!! Calculo o índice… deixa eu ver… 45 + 20 + 35 = 100”!! E o grande Mamed concluiu: “100 PONTOS? ISTO SIGNIFICA PROGNÓSTICO FECHADO”!
Morremos de rir! Depois criaram-se muitos outros parâmetros, a escala passou a ter dezenas de variações e “percorreu os tempos e o mundo”!
Acreditem: eu cuido de uma residência médica de cirurgia geral (muito diferente da do nosso amado HC) há décadas e recebo colegas recém formados de escolas de todo o País. Pois não é que já ouvi alguns desses “forasteiros” falarem sobre a ESCALA DE MAMED!
MAMED ESTÁ VIVO EM NOSSA LEMBRANÇA! E EM SUA ESCALA… EMPÍRICA, SIM, MAS INDEFECTÍVEL!
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“Lendo hoje artigo sobre a escala de Mamede, e com referencia feita a inesquecivel 4030, lembrei-me de um fato preocupante que ocorreu com o Romeu, que foi inclusive presenciado por mim.
Estávamos na Atlética, intervalo do almoço. Rolava um jogo de futebol de salão, eu assistindo da arquibancada e ele jogando. De repente sofreu uma queda feia, batendo com a cabeça no chão, e para grande preocupação de todos perdeu a consciência e não reagia, Houve uma grande movimentação de todos, e, não me lembro como, mas o fato é que foi encaminhado ao HC, e ficou internado na 4030, deixando-nos todos muito tristes e preocupados, Felizmente foi se recuperando e saiu dessa situação tão dificil, para nosso alívio. Só não recordo se depois disso voltou a jogar futebol, o que por sinal fazia muito bem.”
Com respeito ao Romeu, lembro muito bem, eu estava assistindo “o racha” – ele caiu de costas, após um choque, salvo engano com o Mitsunaga, e bateu o occipital no chão!
Foi assustador!
Eu ainda não havia lido.
Parabéns pela crônica. Nos traz alegres lembranças – de Mamede e de nossa juventude tão bem-humorada…
Vindo de você, meu querido irmão, me gratifica muito!
Seus causos, contos e crônicas enriquecem este site!
Manda mais que eu publico
Berger, emocionante essa história descrita por você aqui nesse site e tb no livro que recebemos na homenagem dos 50 anos de formado de vocês. Obrigado por deixar vivo em nossas memórias tantas histórias sobre o meu pai e sobre o legado deixado por ele, tenho muito orgulho de ser filho dele e da homenagem feita a ele no Jubileu dos 50 anos. Um abraço Guilherme Hussein
Guilherme Hussein, vc não imagina a satisfação que temos ao receber um comentário seu, aqui em nosso site! Mamed, um ícone de nossa turma, deixou uma saudade imensa, levemente mitigada pela prestigiosa presença sua e de sua mãe, Beatriz, a nosso Jubileu!
Tenho que contar um causo com Mamed, que era um guloso 4+! Estava no Sta Luzia, creio que no 1o ano da residência ( era na esquina da Augusta com a Oscar Freire) qdo escuto “um gorducho” perguntando preço dos queijos importados, e suas características, optando por um holandês famoso, algo em torno de 150grs, que após embrulhado, saiu no “suvaco” dele, como carga de muito valor! Ñ me atrevi a abordá-lo!!!