terça-feira, dezembro 3

“CANÁRIO”, Eduardo Berger

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“Pitoresca, curiosa, insólita”… inúmeras situações vivenciamos com tais qualificações, considerando-se cinquenta anos de prática médica. Conto mais uma:

Alberto D. era seu nome. Teria, à época (anos ’90), idade aproximada a que tenho hoje. Assintomático até há duas semanas quando notou urina muito escura. O amarelo evidente de sua pele e a vesícula biliar, indolor e facilmente palpável, não me deixou muita dúvida quanto ao diagnóstico mais provável. E, sob o ponto de vista profissional, foi-me gratificante a evolução desse simpático cavalheiro, do diagnóstico até o tratamento, com a consequente boa evolução que teve. Viveu com boa qualidade até os oitenta, sem duodeno e sem a cabeça do pâncreas, com meio estômago e as múltiplas anastomoses que meus parceiros, cirurgiões, conhecem bem.

Ocorre que, durante o curto período pré operatório da internação de Alberto D., estava eu o examinando, quando um colega entrou para fazer o mesmo procedimento no seu companheiro de quarto – me cumprimentou e, ao olhar meu paciente, “saiu com essa pérola”: -“Puxa! Seu paciente parece um… canário”! Realmente, sua icterícia era muito evidente e ficava ainda mais “bonita” em vista de seus olhos, de um azul profundo…

Passados alguns minutos, a visita do colega fora mais rápida do que a minha, ele se despediu e ia saindo do apartamento, quando Alberto D, o interpelou:

-“Doutor, por favor, me permite”? – e emendou – “o senhor deve jogar na loteria hoje, tem muita chance de acertar o grande prêmio. Sou “Canário” há quase 50 anos! Desde muito jovem eu queria ser caminhoneiro. Morava em Mogi das Cruzes, e meu maior prazer era frequentar um grande posto de gasolina onde, no bar anexo, sempre haviam diversos caminhoneiros reunidos, proseando, contando suas estórias… eu os olhava com grande admiração, ansiando para um dia juntar-me ao grupo. Pois bem, de ajudante deles, passei a ser parceiro quando consegui comprar, com grande sacrifício, um “cavalo”, como chamamos nosso veículo que reboca as carretas. Era um FENEMÊ usado, velho mesmo, muito distante dos Volvos e Scanias dos experientes colegas – como eu era muito jovem e queria “aparecer”, orgulhosamente, cheguei dirigindo meu “cavalo”, pintado em cor berrante… AMARELA! Todos riram muito, foi a maior gozação e passaram ame chamar: CANÁRIO”!!

O resto vocês podem imaginar: em todo o longo follow up, ninguém mais o tratou de Alberto…

2 comments

  1. Flávio Soares de 23 julho, 2019 at 21:46 Responder

    Como é gostoso ouvir ou melhor ler um causo divertido e bem humano. Parabens pelo sucesso da cirurgia do Snr “Canário”; espero que ele tenha voltado a pilotar seu FENEMÊ!

    • EDUARDO BERGER 24 julho, 2019 at 15:10 Responder

      Obrigado pelo comentário, amigo Flavio!
      Quando do evento contado, o Canário já passava dos 70, já tinha aposentado seu Fenemè amarelo
      Mas ficou com boa qualidade de vida e apagou velinhas por uns bons anos, ainda.

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