O destemor é uma característica emblemática dos jovens. Inquestionável.
Recentemente, o Roberto Anania de Paula me falou: -“parceiro, está lembrado?” – levou a mão como um tubo à boca, fez um gesto de quem assopra algo e repetiu -“lembra, parceiro? VAI, PARCEIRO”! E assoprou de novo. Sinceramente, nada me ocorreu naquele momento, sei lá o que queria ele dizer com isso. Deveria ser uma lembrança muito antiga… aí “caiu a ficha”.
Quando residentes de cirurgia do HC, apesar de vedado no regimento da residência, muitos de nós dávamos “plantão fora”, já que a bolsa da Universidade era insuficiente. Os hospitais que nos recrutavam não eram, digamos, de um nível que pudéssemos dar segurança plena aos atendidos – mas a gente se esforçava e D`us está sempre “de plantão”. Não devemos nos queixar desse passado, muito pelo contrario, temos que agradecer pelo muito que aprendemos, inclusive “o que se deve evitar” na boa prática médica.
Eu dividia com o meu querido Anania, como eu R2 de cirurgia no HC, aquela noite de plantão em Guarulhos – o pequeno hospital em nossas mãos (fazíamos “de tudo”: pediatria, clínica, G.O., acidentados, etc…) – quando chegou um abdome agudo (volvo de sigmoide), obstrução em “alça fechada”, emergência cirúrgica absoluta.
Um rápido par ou impar, como sempre: um opera, o outro anestesia. Ele ganhou, opera – a auxiliar de enfermagem vai ajudá-lo. Se “engrossar”, eu troco de posto com ela e o ajudo – não precisou, ele tocou sozinho, com o brilhantismo habitual.
Só que, o ato cirúrgico já estava em sua segunda metade, terminou o oxigênio! Havia na sala apenas aquele torpedo e o pequeno Takaoka parou de ciclar. –“PQP! Berger, e agora? O que vamos fazer”? Eu dei um berro para que chamassem o funcionário da manutenção, e que ele rapidamente trouxesse um torpedo novo; isto demandaria uns poucos minutos, talvez suficientes pata provocar anóxia grave e óbito do operado.
Mas… –“Tranquilo, vai, Parceiro, toca a cirurgia”!– e assoprei no tubo traqueal. E continuei assoprando a cada 5 ou 6 segundos, repetindo o “vai, Parceiro”, até que trouxeram o torpedo novo, quando o ato já estava quase no final. A cirurgia foi concluída com sucesso.
Tempos depois, me “apresentaram” o AMBU… O tal foi inventado em 1953, por um engenheiro alemão e um anestesista dinamarquês, mas não sei nem dizer se estava à disposição, naquele tempo, em nosso meio. O que sei é que naquele momento, naquele nosocômio, não havia!
O AMBU – “ARTIFICIAL MANUAL BREATHING UNITY”
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Para aqueles que não sabem, nos tratamos por parceiros, desde este trabalho que fazíamos juntos em Guarulhos. Verani com certeza e acho que o Ranoya também davam plantões lá. Mas “Parceiro, Parceirão e Parceirinho”, foi sacramentado naquela noite. O privilégio de operar, tendo o “Parceiro” como o “solta o gás”, seguramente poucos desfrutaram com tamanha competência como viram. Tratava-se de um paciente com volvo de sigmóide que estava eu distorcendo cirurgicamente e foi exatamente como o Berger narrou. O que o “Parceiro” fez depois do: tionembutal, taquicurim, ventila, entuba, liga o Takaoka, curare de ação prolongada e éter como anestésico, foi controlar o paciente ao seu lado. Por isto é que diagnosticou de imediato a falta do oxigênio que fazia ciclar o respirador. O resto foi simples com a respiração ritmada com o “boca/tubo”; mas foi o éter que deu um relaxamento prolongado, permitindo um fechamento da parede com segurança. E é claro o “suflar”do Berger! O felizardo evoluiu sem dificuldades. Boa “Parceiro”!
Excelente! Muito bom conhecer a atuação conjunta dos dois.
Ter o tratamento de “Parceiro” por você, meu amigo, é motivo de orgulho para mim, uma honra e um privilégio que nem sei se mereço.