quarta-feira, abril 2

O Show Medicina e a “Batalha da Maria Antonia”, Eduardo Berger

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Reproduzo um pequeno texto baseado em dados do Google:

“No dia 3 de outubro de 1968, alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP entraram em conflito com estudantes da Universidade Mackenzie. As instituições eram vizinhas, localizadas na Rua Maria Antonia, Vila Buarque. O embate acabou com um estudante secundarista morto e dezenas de feridos. O edifício da USP foi depredado e incendiado”.
(nas fotos o prédio restaurado e como ele ficou após a batalha).


Vivíamos um conturbado momento da história do Brasil (“os anos de chumbo”); aquela triste primeira 5ª feira de outubro, quando nossa turma cursava o 5º ano do curso médico, ficou, também, indelevelmente marcada em minha memória.

Já estávamos acostumados, era assim há muito tempo; e assim houvera sido nos quatro anos anteriores, desde o nosso de calouro: sempre, na primeira quinta feira do mês de outubro, era levado à cena o tradicional Show Medicina – e todos sabem o quanto me dediquei a ele.

Pois bem, quis o acaso que Show Medicina/1968 (“o meu Show”, era eu o diretor) e “Batalha da Maria Antonia” ocorressem no mesmo dia. Naquela tarde, o combate entre mackenzistas e uspianos da “filosofia, ciências e letras”, rolava solto, enquanto nós, alheios aos acontecimentos, seguramente “matando as aulas”, estávamos empenhados nos preparativos do Show de logo mais. Quem participou e/ou acompanhou, sabe das dificuldades, da verdadeira “guerra” que tínhamos de vencer para levar a cabo a tarefa de fazer o Show ocorrer.

Assim, podemos dizer que naquela tarde, “duas guerras” ocorriam: uma, violenta, agressiva, por motivos políticos e ideais antagônicos; a outra, motivada por um ideal artístico e de manter o espírito e a tradição de uma instituição da nossa escola, o SHOW.

Passaram-se algumas horas… O relógio marcava 20h30, ou coisa assim. A platéia do “sagrado” Teatro da FMUSP já lotada de alunos, professores, servidores, etc, todos ávidos pelo início do Show; muita farra, muita alegria, muitos cantando as clássicas musiquinhas, batendo palmas e o talco… ah o talco! Esse também rolava solto! Nos bastidores, mais precisamente fundos do teatro e corredor da Anatomia Patológica (o eterno agradecimento ao Professor Constatino Mignone!), cenaristas terminando os retoques de pintura, maquiadores trabalhando naquelas “caras juvenis, mas já barbadas”, tentando transformá-las em “rostinhos de meninas”, contra-regras agitados, ordenando os materiais para as cenas – fantasias, utensílios, móveis, etc; todos envolvidos, enfim, numa azáfama, numa correria, numa luta!

E o diretor, como em todas edições do Show, tentando coordenar uma agitação caótica, controlar o “incontrolável”…

Naquele momento, eu transmitia a todos “o recado final”, aquele que havia aprendido com os diretores dos anos anteriores; subi numa cadeira e mandei: “- O Show vai começar! Não se esqueçam, aqueles que fizerem papéis femininos, de colocar um calção por baixo dos vestidos… E, a partir desse momento cada um é diretor de si mesmo! Todos devem dar tudo de si para que o Show seja lindo! O SHOW VAI COMEÇAR!! SALVE o SHOW!!”

Aí, seria só dar início ao espetáculo, Mas…

Eis que aponta no corredor, vinda do hall do térreo, uma comissão do C.A.O.C. liderada pelo seu Presidente, nosso querido colega Franklin Amorim Sayão (com ele, Luiz Massami Takaoka e mais um ou dois). Pronto! Encrenca à vista… Nunca se admitiu que alguém que não fosse do Show, tomasse conhecimento de nada dos bastidores, dos preparativos; era tudo secreto, até que fosse apresentado no palco, no “grande dia”. Além disso, temia-se que o mesmo antagonismo havido na Maria Antonia pudesse se estabelecer (felizmente, isso nunca aconteceu entre nós!). Nosso diretor da contra-regra, o não menos querido Zeca Porto, e mais alguns, se agitaram, começaram a falar alto, tensão no ar – mas consegui apaziguar… -“Vamos ouvi-los, amigos, vamos saber o que traz esses colegas até nós”. Foi quando ficamos sabendo pelo Franklin: – ”A classe estudantil está de luto, morreu um estudante num combate que terminou há poucos instantes, talvez fosse melhorar suspender o Show…”, etc, etc – foi só nesse momento que ficamos sabendo dos lamentáveis acontecimentos da Maria Antonia.

Ponderei que o espetáculo não pode parar – “the show must go on” – que apesar de entristecidos com a ocorrência, faríamos como o “palhaço que precisa fazer o povo rir, ainda que seu coração sangre pela perda de um ente querido”.

Felizmente, o impasse terminou bem, sem atritos e o Show começou – e terminou bem!


a propósito aí está um revival de nosso show de encerramento 1969

4 comments

  1. admin 22 março, 2018 at 23:47 Responder

    Belo relato Berger, o Diretor do Show e o Presidente do C.A.O.C.: 52a em ação. Gente precisamos incrementar nossas histórias. Nossas memórias estão crescendo!! Murilo, Egídio, Lalaina, estamos esperando. Penso que um breve relato de cada membro, descrevendo sua trajetória pessoal e profissional até nossos dias, como o Franklin, fez seria muito bem vinda. Cury, Otávio, Lobo, Nese. Décio véio, Velho Macedo… (Roberto Anania de Paula – jan/2018)
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    Estas historias me emocionam. Parabéns maninho Berger pelo equilíbrio e maturidade da sua atitude no episódio. (Decio Kerr Oliveira – jan/2018)

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