sábado, julho 27

A MULHER TRAÍDA, Bonno Van Bellen

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Era, na verdade, uma mulher assustadora. Não que fosse feia, mas impunha respeito: alta, pesada, muito pouco elegante, loura, com o cabelo firmemente atado num coque atrás da cabeça discretamente avermelhada. Era até um pouco masculinizada. Cinquentona, subia as escadas do consultório com um resoluto passo de mulher que sabe o que quer e quais são seus direitos. Ela sempre me fazia estremecer um pouco. Européia. Italiana. Daquelas que seguramente mandam entre as quatro paredes do quarto se bem que é o marido que tem a última palavra. Sempre concordando.
Ela era cliente há tempos. Tinha algum problema banal de edema nas pernas e voltava regularmente para uma revisão. Não havia necessidade. Mas vinha. Era alegre e expansiva.
Naquele dia tive a insensatez de lhe perguntar como estava a vida. Desatou a chorar. Uma tragédia tinha se abatido sobe sua familia. Ela estava inconsolável. E as filhas, tinha duas, eu não as conhecia, não saiam mais de casa pela vergonha que estavam passando. Acontecer isto numa familia bem estruturada, de italianos, educados, sempre preocupados com a educação das crianças, que a estas alturas já não eram mais crianças. Duas mulheres feitas, casadas, e bem casadas, com seus filhos ainda pequenos mas que eram a continuação da estirpe, modesta, mas de bons princípios.
Pois é doutor: meu marido me largou. Depois de trinta anos de casados, meu marido me trocou. É uma vergonha. Em nosso bairro onde moram tantos amigos, não tenho mais a coragem de sair pelas ruas. Me dá a impressão de que em cada janela há um par de olhos que rí e me escarneia por ter sido abandonada pelo meu marido.
Eu a encarei com sincera compaixão. Realmente deve ser duro, a esta altura da vida, uma mulher que sempre se dedicou à casa, ser escamoteada. Se bem que, aqui no fundo, poderia até entender que o marido tivesse se cansado dela. Nossa, ela era muito pesada, muito relaxada, falava muito alto. Não era, propriamente, um remédio para o amor. Talvez se eu estivesse no lugar dele tivesse feito a mesma coisa. Sei lá!
Ela chorou muito. Achei até que estivesse exagerando um pouco. Na verdade não tinha sido ontem. O fato já ocorrera há alguns meses.
Perguntei-lhe se a mulher que ele tinha escolhido era conhecida dela. Pergunta boba. Mais para dizer alguma coisa e demonstrar minha simpatia.
E foi aí que veio a explicação para tanta revolta e tristeza. Não era mulher. Era homem. O danado do italiano tinha se acostumado tanto com uma mulher macho que a trocou por um homem.

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