Hérnia umbilical… morte iminente!? Eduardo Berger
Nos consultórios de gastro-cirurgia, os colegas bem o sabem, não são infrequentes os atendimentos de urgência, sem agendamento prévio…
Como sempre atendi em consultório localizado dentro do Hospital, dois ou três horários vazios, habitualmente, os mantenho para tais casos. Eis que, do PS me avisam: há um paciente que necessita seus préstimos – é um portador de hérnia umbilical estrangulada.
-“Pode subir”! – é a minha ordem evidente.
Uns minutinhos e ele entra em minha sala. Jovem, menos de 40, mas muito grande, muito gordo – digamos, um indivíduo enorme, desses que chamam a atenção: estatura acima dos dois metros e circunferência abdominal, também por aí; em linguagem muito utilizada em tempos recentes, considerando o índice de erro de 2 para mais, ou 2 para menos, diríamos estar a frente de um empate técnico entre ambas…
Excelente estado geral, muito distante do que chamaríamos de um abdome agudo, peço que se deite, levante sua camiseta e… lá está ela: “brilhosa”, reluzente, bem endurecida e dolorosa, da cor e do tamanho de um grande pimentão dos vermelhos! Uma baita hérnia umbilical estrangulada (certamente com segmento de omento necrótico em seu interior). Os sinais vitais estão normais e o abdome totalmente inocente, indolor e flácido, apenas com a natural dificuldade de palpação pela exuberância adiposa.
Dou-lhe o veredicto de imediato: -Vamos prepará-lo em poucos momentos e operá-lo na sequencia… – eu iria continuar, explicando da simplicidade do procedimento e que seria necessária apenas uma incisão um pouco mais ampla, que não era nada grave, mas… o “Miudinho” (ele tornou-se um bom amigo e eu passei a chamá-lo, carinhosamente, sempre assim) nem me ouviu! Caiu num pranto convulsivo, soluçando como uma criança que houvesse tomado uma grande surra, transbordando-se em lágrimas mescladas com afirmações de “eu vou morrer, eu sei que vou morrer, chegou o dia de minha morte”!!!
Podem imaginar o certo trabalho que me deu para pegar no colo a “pequena” criança. aninha-la, acalma-la… Fui falando o óbvio: “calma rapaz, será um procedimento de risco mínimo, trata-se de cirugia simples, baixíssimo índice de complicação, irá pra casa em um ou dois dias” – e por aí afora. Ele argumentava, ainda aos prantos, que eu o estava enganando, que eu não queria assustá-lo, e que ele SABIA QUE IRIA MORRER, já que diversos médicos já o haviam alertado…
Aí, caiu a minha ficha! Entendi a razão de tamanho pavor: o infeliz, por força da tal hérnia, havia peregrinado por dúzias de consultórios de “colegas” que pelos míseros “30 dinheiros” que os convênios pagam, fugiam de suas responsabilidades, “orientavam” nossa vítima a retornar após emagrecer algumas arrobas, para aí sim opera-lo. “Se vc for operado gordo desse jeito, é certo que morrerá na mesa…!” (e o paradigma fixou-se na mente do pobre). E emagrecer não era coisa simples para ele.
Assim é a maldita “medicina socializada” – ganha o cirurgião os mesmos “trocados” ao operar uma criança por uma hérnia umbilical (dois pontinhos, incisão de 2 cm), quanto nessa do herói gigante dessa história. O fato foi que nenhum cirurgião se dispôs a opera-lo… e, pior, com a justificativa asquerosa : “se operar, gordo assim, será morte certa”!
Creio que seria desnecessário relatar a conclusão desse caso real, mas talvez a curiosidade de algum leitor poderá querer saber mais do “Miudinho” (hehehe) – recebeu alta conforme o combinado no 2º dia de pós- operatório, curado.
Quando de seus retornos, rimos juntos do exagero de seus temores infundados, ao mesmo tempo em que ele amaldiçoava os “profissionais” que fizeram com que deles ele padecesse.
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