TRAGICÔMICO SEM PALAVRAS, Domingos Lalaina Junior
O ano, 1978. Sou chamado para atender uma paciente crônica, no domicílio.
Há anos não sai de casa e se esconde de visitas, refugiando-se em seu quarto. Quase nunca fala. Rasga jornais, guardando-os, picados, em sacolas plásticas. Até agora, acumulou as sacolas em seu quarto. Este lotado, as guarda agora em outros locais da casa. Nunca tomou remédios.
Moram na casa a paciente, a mãe viúva, a irmã e o irmão, estes últimos solteirões e caseiros.
O incrível é que somente agora, após anos, a família procura ajuda profissional.
Concluo que o doente é a família, o sintoma principal, o isolamento, e ela, a paciente formal. Enquanto a loucura fica restrita ao quarto, o grupo a compartilha, absorve e mantém. Agora, que extravasa o limite e passa a incomodar de fato, então o médico é chamado.
Permanece, vívida, em minha lembrança, a cena marcante.
Ela, ao fundo do quarto, sentada na cama. Eu, parado, à porta. Entre nós, o desfiladeiro das sacolas plásticas, do chão ao teto. Atravessado na porta, o cabo de vassoura represando tudo. O cheiro de urina.
É trágico.
Ela faz o gesto de “vem aqui”.
Eu, faço o de “eu não”.
É cômico.
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